Carta de esperança

sexta-feira, maio 11, 2012

Olá, querido.

Como está nessa manhã? A raiva pelo barulho do despertador já passou? Levou um susto por entrar debaixo do chuveiro gelado, esquecendo-se de esperá-lo esquentar? Leu as notícias do jornal, chateou-se com os sensacionalismos, alegrou-se com os resultados dos esportes, achou um absurdo o caderno de política – como sempre – e conferiu o de cultura? Deixou os pães queimarem na torradeira enquanto lia? Comprovou, mais uma vez, que o café é uma das melhores bebidas que existem enquanto saboreava uma xícara? Aposto que sim.

Sei que esta fase pela qual estamos passando não é a mais fácil de todas, mas saber que esses pequenos detalhes ainda existem em sua vida me confortam. Certamente prefiro que você tenha essas experiências rotineiras do que tenha de ficar aqui, trancado comigo em um quarto de hospital; não seria justo com você. E não me leve a mal, meu amor, não pense que não gosto de sua companhia. Mas se preciso escolher como passar meus últimos dias, quero passa-los vendo que a sua vida, independente da minha, pode continuar. Quero que, das suas 24 horas diárias, você tenha o seu tempo, ao invés de dedica-las somente a mim.

E já que toquei neste assunto, vou lhe dizer de uma vez: ambos sabemos que tenho pouco tempo. Por favor, não se entristeça. Eu sei, daqui a pouco não estarei mais presente para lhe pedir para desligar o despertador, lhe alertar sobre a água fria do chuveiro ou sobre os pães torrados; não vou tapar seus olhos enquanto lê o jornal para lhe roubar um beijo nem servir o café em sua xícara preferida. Tenha em mente, porém, de que ainda poderei estar com você. Não somente em suas manhãs, mas em todas as partes de seus dias.

Não tenha medo, meu amor. Não tenha medo do novo, do desconhecido, nem do inesperado. E, principalmente, não tenha medo da minha ausência. Abra as cortinas. Deixe o sol entrar e iluminar a casa, tal qual eu faço logo que acordo. Permita-se ver a beleza do amanhecer. Olhe as pessoas apressadas nas ruas e perca um pouquinho do seu tempo imaginando que cada uma delas possui uma história diferente. Aproveite as horas do trânsito para ouvir aquele CD antigo da sua ex-banda favorita da adolescência. Sorria para as senhoras que conversam no parque por onde você passa para ir almoçar. Agradeça o fato de possuir um trabalho, por mais estressante que seja algumas vezes, pois há aqueles que estão sofrendo em busca de um. E em cada momento desses, em cada simples ação, me imagine sorrindo para você. Sorrindo pela sua felicidade em reconhecer os pequenos detalhes.

Permita-se viver. O meu relógio vai, sim, parar. Eu não vou poder continuar escrevendo naquilo que costumam chamar o Livro da Vida. Este é o meu último capítulo. Mas não é o seu, querido. Você tem muito para aprender, rir, chorar, conquistar, ser e, principalmente, amar. Sim, amar; seja lá quem ou o que for. E por que não? Tente. Não desista. Seguir em frente é a maior prova de amor que você pode me oferecer.

Você é tudo o que há de melhor em mim. Você me ensinou coisas maravilhosas e é por causa delas que hoje me permito lhe escrever esta carta. Por sua causa me permito aproveitar e viver o que me resta, sem temores. Você me completa, e enquanto eu puder, farei o mesmo por você. Quando já não for possível, busque o que lhe falta e mantenha-se completo de novo. Mande as inseguranças embora. Eu acredito e confio em você.

Com todo o amor do mundo,
sua eterna companheira.

Texto produzido para a 90ª Edição Cartas do Projeto Bloínquês.
Premiado em 1º lugar.

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2 comentários

  1. Que incrível o sentimento de recomeço das palavras da personagem... Tanto pra ele, quanto pra ela, que vai começar uma jornada que ninguém sabe aonde vai dar, né? Ter o conhecimento de que sua morte está chegando deve ser uma das piores coisas pra alguém sentir, mas ela ainda mantém uma força que impressiona. Parabéns! Adorei a carta. Você escreve super bem! (:

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